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28 janeiro 2022

Todo meu amor a Joan Didion e as pessoas que não conheço

Lembro-me de ter percebido, logo quando me mudei para Villaviciosa de Odón e visitava uma praia isolada nas Ilhas Canárias da Espanha chamada Santa Cruz de Tenerife, que os locais se jogavam no mar quando o vento soprava.  Eu podia ver por quê. As águas do Oceano Atlântico Norte tornam-se assustadoramente brilhantes durante o período dos ventos e as pessoas acordavam no meio da noite perturbadas não apenas pelos pássaros gritando nas palmeiras da ilha mas pela estranha ausência de ondas.

“Em noites como essa”, Izabel Pimentel escreveu certa vez sobre Santa Cruz de Tenerife “toda festa de bebida termina em briga.  Esposas mansas sentem o fio da faca de trinchar e estudam os pescoços de seus maridos".

By @helenvcpode

24 agosto 2020

A teoria ator-rede e a relação humanos-objetos

Como considerar a partir da perspectiva da análise social a relação dos objeto na nossa vida social?

Por muito tempo a sociologia se ausentou desse tipo de discussão, tomando como pressuposto a separação entre aquilo que é humano e aquilo que é não-humano, privilegiando a perspectiva do humanismo e a sociedade como afastada/ apartada do restante das questões do mundo dos objetos, ou dos animais, por exemplo.

Bruno Latour afirma que essa atitude ou não-atitude por parte da sociologia tem muito a ver com o próprio processo de construção da sociologia, da antropologia, das ciências humanas que precisava afirmar-se e construir o seu argumento no sentido de mostrar a importância desse campo de estudo que estava surgindo, mas por outro lado também é parte de um viés que acabou ocorrendo na construção da sociologia enquanto ciência. 

Esta proposta tem a ver com o embate entre uma sociologia mais integrada ao todo, postulada por Gabriel Tarde em contraposição ao que chamamos de supremacia da sociedade, por Émile Durkheim, Sabemos que a interpretação de Durkheim foi a que ficou em exercício, é ela que estabelece a sociedade como índice superior, estabelece também o dualismo humano-natureza. Essa visão tem sido revista devido a quantidade de aparatos tecnológicos que podem estar a nossa disposição e com essa oferta, a necessidade de refletirmos o papel dos objetos nas nossas vidas.

É por isso que a teoria ator-rede, encabeçada por Latour e seus seguidores é um ingrediente importante para entendermos como isso pode ser reinterpretado. A teoria-ator rede permite uma nova maneira de enxergar os objetos totalmente integrados ás nossas práticas, construindo o que chamamos de cadeia sóciotécnica que envolve as nossas ações enquanto humanos as práticas sociais e os usos desses objetos que por sua vez também moldam, transformam e redefinem os nossos campos de ação. 

O que isso quer dizer? 

Que os objetos não são vistos como inertes ou apenas conferindo significados sociais ou apenas enquanto bens ou mercadorias. Os objetos possuem um papel fundamental, essencial na configuração de uma estrutura de ação que nos permite agir de determinadas formas ou de outras. 

Conceber os objetos a partir dessa experiência significa colocá-los lado a lado a nós humanos. Sem eles, nossas ações seriam outras.

Muitas vezes os objetos trazem consigo a possibilidade de acelerar nossas práticas, tornando-as muito mais fáceis do que seria possível caso não existissem. Proporcionam uma comunicação muito menos truncada, envolvendo muito menos elementos no caminho, numa cadeia. 

Todo processo de comunicação existente envolve uma série de atores, processos e uma rede/cadeia imensa de objetos. Esses objetos nos permitem alçar posições e realizar práticas de forma mais rápida. Os objetos nos ajudam a redefinir os nossos campos de ação e criar realidades, portanto é necessário colocar essa perspectiva em evidência. Não digo sobre olhar para os objetos literalmente, mas trazer para o cotidiano essa cadeia de associações entre humanos-objetos para tentarmos compreender de que forma essa rede se configura.

Vale ressaltar que uma cadeia sociotécnica envolve discursos, coisas materiais e imateriais, imaginário ou mesmo eventos.

É uma relação muito menos uni ou bidimensional, mas tridimensional ou multidimensional na qual podemos acessar fios que vão compor uma prática social a partir dessas descrições, dos objetos, das ferramentas e dos usos desses artefatos.

Essa perspectiva desloca e coloca os objetos nos holofotes levando as pessoas repensarem a noção de busca eterna de eficiência e produtividade humana, pois os objetos não somente nos permitem criar nossos fluxos de ação, mas possibilitam entendermos melhor as razões pelas quais agimos ou não de determinadas formas no mundo. Também são elementos cruciais na conformação da sociedade tal como ela esta hoje e das formas como agimos. 

Portanto é de suma importância estudarmos o papel de outros seres e elementos não-humanos incorporando as nossas práticas sociais.


A teoria ator-rede e a relação humanos-objetos por Claudia Sciré

16 abril 2019

Conexões modernas

ESTAMOS NOS TORNANDO DADOS PESSOAIS 


 
Installation view of the exhibition Pierre Huyghe at the Centre Georges Pompidou, September 2013–January 2014


Por Helen Araujo

Algo que não foi bem percebido na década de 80 seria o antropoceno como período do tempo onde a humanidade surgiu na terra. Parece que esquecemos de enfatizar a importância deste marco. A partir desse período a raça humana tem impactado a biosfera com poluição, devastação do solo, mares e da terra. Sabemos também que o degelo acontece decorrente disso. A biosfera tem sido alterada pela ação das nossas espécies e esse impacto é mais poderoso que qualquer força natural. 

O antropoceno é um tempo de crise para a escala humana e estamos nos comparando, na verdade a estas grandes modificações. Se por vezes ao olharmos para nós mesmos nos sentimos desamparados, por exemplo ao encararmos o sistema de economia computadorizada, que é animado pelos impulsos dos algoritmos que estão, na verdade performando operações na velocidade da luz... Cerca de 75 porcento das operações financeiras dos EUA são operadas por máquinas.  

Nesse sentido, me parece que humanos estão se transformando em vítimas da sua própria infraestrutura. Somos espectadores desamparados de uma economia na qual nos deparamos cada vez mais isolados de qualquer produção na escala humana e essa é uma situação que iremos todos experienciar, de um jeito ou de outro. Isto contribui, na verdade, para a emergência de novas formas de pensar e na verdade artistas estão vendo isso de uma forma bem clara. 

O tema do antropoceno aparece como uma revolução de uma consciência inquieta do habitante de um mundo globalizado onde a atmosfera do mundo em sí se torna uma ameaça. Nós não estamos em uma posição de renegociação dos termos da nossa própria prisão no mundo com todas as formas de vida, bem como com todas as nossas criações tecnológicas. Isto é um conjunto novo de parâmetros que nós entramos e que temos que considerar e obviamente isso tem consequências na forma como representamos nosso universo. Temos que avaliar nossa relação com todas as forças com as quais devemos coexistir no planeta e esse é o começo dessa conversa. 

Sinto cada vez mais que no mundo da arte, em exibições e estúdios, artistas estão, na verdade, envisionando um jeito totalmente diferente de representar nossa presença nesse planeta. Na internet atualmente humanos são minoria. Em 2013 foi constatado que existem mais robôs que humanos online. Percebemos então, que nós nos transformamos, nós humanos, como indivíduos, somos “dados pessoais” (personal data) coletados por essas máquinas. E nós sabemos que máquinas e robôs são a base da nossa economia. Algoritmos são aqueles modos de cálculo que estão permitindo todas essas máquinas coletar essas informações.  

Tudo isso descreve uma situação com a qual nós humanos estamos atualmente em conhecimento de que nós de fato não estamos sozinhos mais. É uma nova paisagem relacional. Nós não parecemos ocupar a mesma posição secundária que a lógica econômica da globalização relega para a matéria-prima - nossos dados pessoais - e como uma matéria-prima, o que na verdade alimenta a economia. Nesse sentido, estamos mais ou menos no mesmo nível que os combustíveis fósseis, o que deveria nos fazer pensar. 


FILOSOFIA ORIENTADA A OBJETOS

                 The Universal Addressability Of Dumb Things – Mark Leckey, Nottingham Contemporary, (2013-2015) 

Existe uma tendência na filosofia no mundo todo no momento que eu poderia chamar de filosofia orientada a objetos. Essas filosofias procuram estabelecer uma relação de equivalência entre os vários componentes da realidade física. Então, desde a virada do século fica cada vez mais óbvio e visível que artistas começaram um novo diálogo com outras formas de vida.  

No último ano a emergência de noções como animismo, transhumanização, arte da pós-internet são tendências naturais de um domínio filosófico chamado realismo especulativo, como defende por exemplo, Levy Bryant em “Democracia dos objetos”. Para Bryant, só existe um tipo de ser: objeto: "ao invés de pensar um objeto por sí mesmo, que não seria um objeto para a contemplação de um objeto para a representação ou discurso cultural. A afirmação é que todos os objetos existam igualmente, é a afirmação de que nenhum objeto pode ser tratado como construído por outro objeto. Em suma, nenhum objeto como assunto da cultura é o chão de outros.” 

Para Pierre Huyghe, uma exibição não significa exibir alguma coisa para alguém, mas exibir alguém para alguma coisa. Em outras palavras ele pensa que arte é uma experiência onde você está exposto na sala de exibição, você está exposto a algo, e é disso que arte se trata. É uma maneira sintética de dizer que a coisa mais importante é sua experiência dentro da sala. Essa reversão não é totalmente absurda e não é sequer lógica, de maneira que isto é o novo jeito de dizer isso. Trata-se de sobrepor alguém a algo. 

O observador é nomeado a um papel de testemunha ativa da exibição. Você tem essa ideia de experiência e tem uma ideia de você como expectador, você é uma testemunha ativa da exibição. Pierre Huyghe quer dizer que encontros são mais importantes que formas e encontro é o que acontece entre você e a forma, e isso é mais importante que a forma em sí. É algo que comecei a pensar quando eu escrevi estética relacional, mas eu ainda estou me familiarizando com isso. 

Mark Leckey invoca uma relação direta e empática com o objeto, relação que não seria organizada pela linguagem, então, tendo a pensar que isso é causado por inspirações anteriores de artistas como Suzanne Anker. Ambos Mark e Suzanne estão procurando penetrar a estrutura secreta do visível por um processo de descondicionar nosso olhar para definir nossas próprias aspirações. 

Pierre Huyghe diz que o propósito da arte é aumentar a presença do que é. O choque que ocorre quando o visível é manifestado, o cuidado da majestade com o qual o mundo se desdobra está sob seus olhos. Já Mark Leckey diz que uma rede de objetos pode comunicar-se sem interferência de um agente que foi presenteado com consciência, sem interferência de um humano. Techno animismo é a ideia de dar alma a alguma coisa. Se aproximar de um objeto como se ele tivesse uma propriedade essencial que o artista tenta desenhar que não deve parecer algo “escola de arte”. 

Agora sinto que nós entramos numa trincheira de um novo reino sensorial dividido entre sensações mortais criadas pela convincente textura da superfície visual do HD, e a consideração calorosa que você sente em relação a você. Arrepios de metal ou o arrepio aborígene que você consegue assistindo vídeos de ASMR, paradoxalmente, um cyberespaço autista que nos trás de volta a uma apreciação da sensualidade. Isso nos faz pensar então que nessa sensualidade não pode ser completamente apagada. Mark Leckey pretende se aproximar dos objetos sem nenhum recurso linguístico ou descrever suas interconexões sem nenhuma mediação humana. Em última análise, a fim de relacionar sabedoria essencialmente. Estilhaçar a relação sujeito-objeto. 


NOVAS FORMAS DE VIDA, BEM COMO OBJETOS 

 Installation view of the exhibition Pierre Huyghe at the Centre Georges Pompidou, September 2013–January 2014 

Desde os primórdios da filosofia sujeito-objeto é algo que não pensávamos antes sobre porque já é tão óbvio para nós... Então a relação entre o espectador e o mundo está em jogo aqui. E isto é algo que está evoluindo, trata-se de uma grande modificação da nossa percepção. Nossa posição no mundo está mudando e a primeira vítima disso de certa forma é essa relação sujeito-objeto que permanece estável por séculos e séculos e milênios.  

O contexto do antropoceno nesse contexto histórico nos traz uma nova constelação teórica, que são constituídos por essas filosofias orientadas a objetos. Essa maneira de pensar poderia ser resumida pela ideia de que animais, plantas e objetos deveriam ser tratados em pé de igualdade com seres humanos. A filosofia orientada a objetos se esforça para libertar os objetos da sombra da consciência humana, dando autonomia de alguma forma. Por exemplo, colisões entre coisas em pé de igualdade com relações entre sujeitos pensantes. Então, esses dois tipos de relações, colisões entre coisas e relações entre sujeitos somente se divergem de acordo com o grau de complexidade, mas é a mesma coisa.  

Humanos somente podem ser distinguidos de outras coisas por seu status como objetos sensuais. Nós então somos objetos sensuais. “A arte é totalmente artificial, a arte não existiria sem as nossas prisões”, como diria Duchamp. É o espectador que faz a imagem. A arte é na verdade uma atividade contra todas as atividades humanas que são puramente baseadas na nossa presença, nossa consciência, para reconhecer outra exibição, vamos dizer, o trabalho artístico. Arte não é nada a não ser uma realidade artificial entre sujeito e objeto. 

Existem quatro possibilidades de vir a existir no mundo, são elas, por meio do crescimento, por meio de moldagem, por meio de acidente ou destino. Curiosamente, o entrelaçado dessas quatro possibilidades constitui o que chamamos de arte. Artistas usam indiferentemente essas quatro possibilidades. Mas é quase o destino que é o mais importante e um artista pode então decidir exibir, criar e produzir.  

Com Leckey podemos especular a existência de uma rede de objetos interconectados, por que não? Isso corresponde a uma temporada em que há esforço para escrutinar as coisas, para procurar o segredo da existência para a estrutura dessas relações. Por outro lado, é mais sobre instalação de modos de vida com vários elementos importados por contingência. Então os olhares dos espectadores constituem-se sobre uma faceta entre as outras na situação que excede todas as consciências individuais, todo tempo. Você pode reconhecer a instalação, os componentes, mas depois o cachorro não estará no mesmo lugar (da instalação), portanto as coisas estão sempre mudando. Nunca é a mesma coisa que você vê na exibição. 


ANIMISMO UNIDIRECIONAL E CO-ATIVIDADE 

     Suzanne Anker: Remote Sensing, 2016 Installation view from “Artists Choose Artists”, Parrish Art Museum, Watermill, NY 

Esses modos de pensamento e a arte, como em filosofia, reflete a atmosfera geral na qual existe uma dissociação, uma divisão fundamental que afeta essa relação sujeito-objeto. Nossa existência tem sido estruturada ao longo do curso dos séculos nessa troca pacífica entre o ego e o mundo. Agora isso para mim parece estar em crise, problemático, no mínimo. E todos os esforços para alcançar uma harmonia possível, se esse termo pode ser usado, está convergindo sobre a difícil horizontalização das nossas representações. Um tipo de rede com vários protagonistas, animal, vegetais, a atmosfera, maquinas e etc. E pode ser essa horizontalidade o que faz o filósofo Levy Bryant dizer que só existe um jeito de ser: objeto.  

Quando Pierre Huyghe define uma exibição como um lugar para exibir alguém para alguma coisa, indica que as categorias tradicionais de passividade e atividade sequer tem uma razão para existir. O agente ativo aqui não é mais necessariamente um humano e um objeto não é mais necessariamente inerte.  

A relação sujeito e objeto não representa inevitavelmente a relação de dominação de um sobre o outro, pois tem ficado cada vez mais claro nos trabalhos de arte do início do século XXI as prisões do que podemos chamar de secrets of living. Nesse sentido, as coisas são vistas como coisas na maioria das vezes. Aqueles objetos que vemos nas instalações são apresentados em contrapartida, como conversores-catalizadores de energias ou mensageiros, às vezes.  

De certa forma o que tem sido chamado de animismo ao longo do tempo é a ideia de dar alma aos objetos. É uma ideia unidirecional e acredito que hoje em dia isso é mais complexo que essa simples definição.  Digo que vez ou outra, isso fica entre diferentes reinos de animais. Eu poderia chamar de co-atividade de todos os elementos que geralmente são partes da vida inerte ou não inerte. Estamos geralmente jogando juntos, o qual está sendo disponibilizado por artistas hoje. É como se a arte estivesse se aproveitado da vida em todas as direções ou explorando todos os degraus da biosfera. Isso pode produzir por exemplo, robótica e maquinário poético ou plantas de seres humanos vegetativos conectados com sensores de animais, geralmente trabalhando para nós, etc. Você pode encontrar essas possibilidades nas exibições na atualidade.  

Isto está sendo postulado entre dois processos principais; um deles é reificação. Desde a transformação das coisas vivas em uma coisa, um objeto. E um outro, o qual é menos conhecido, um link, um termo da linguística retórica chamado prosopopeia. Essa palavra complicada, é uma figura de linguagem que representa uma coisa tendo uma voz, como em cartoons.  


ANIMISMO, TRANSHUMANISMO, PÓS INTERNET 

Dream English Kid – Mark Leckey, MoMA, 2016 


Um artista sueco construiu um maquinário onde ele usava uma árvore yucca na experiência. Ele conectou sensores à árvore para que então fossem conectados a um software, o qual captava as pulsações da árvore que então, com suas próprias aptidões biológicas, comprava e vendia ações no mercado financeiro. O artista depositava cerca de 1.000 euros na obra mensalmente e não perdia dinheiro, inclusive ganhava um pouco. 

A ideia é envolver vegetais na economia e na robótica - uma forma banal de vida e as superestruturas da economia. Isso pode nos dar uma ideia das formas dominantes de arte desde 2012 até a atualidade. Estes estilos são emprestados do passado. O século XXI é uma arte ou montagem que deriva do contexto dominante de produção, que é o mundo digital.  

Para mim, a originalidade de um artista hoje não vem de um estilo específico de pintura ou de cultura. A originalidade vem da habilidade de inventar modos de vínculo entre elementos heterogêneos desde quando os artistas estão aspirando apreender todas as formas de vida e os objetos, objetos físico-sociais, no mesmo nível. 


PROMISCUIDADE DO ANTROPOCENO 

Suzanne Anker: Astroculture (Eternal Return), The Cathedral Church of Saint John the Divine, NYC, 2015. 

Artistas importantes do nosso tempo, são os que inventam circuitos originais das formas ao invés de depender de almas iconográficas que seriam únicas. Na verdade, o estilo seria o movimento da invenção, o modo de conexão que estabelece entre diferentes imagens, formas diferentes e tamanhos diferentes. Uma das formas mais impressionantes do nosso tempo acaba que seria para mim esse modo de composição via circuitos que se estende a construção de ambientes combinando objetos, sons, imagens em movimentos, algo que é muito presente nas exibições da atualidade. 

O antropoceno é também o espaço da dessa promiscuidade que eu falo tanto sobre. Esse tipo de brutalidade trazendo junto todos os reinos e esferas em um espaço no qual é certamente desprovido de limites simbólicos. Não mais humanos e qualquer coisa que seja não-humana, é mais complexo. É um universo sem pele, nós estamos expostos completamente, nosso rei desapareceu e nós temos que visionar a nós mesmos, sem pele. Atualmente somos tão porosos como qualquer coisa que seja não-humana. Na promiscuidade antropocênica tudo está sendo exposto e o sujeito perdeu seu monopólio, mesmo no olhar. 

Para Foucault são os mecanismos dos discursos que coordenam conhecimento como poder e relega a subjetividade. Essa diferença entre visão e olhar humano que existe na mesma relação com as coisas ordenadas em representação pode ser a chave para endereçar esse novo status do sujeito na arte hoje. Foucault estava perto disso nos anos 60. Mas para a filosofia estruturalistas em geral isso é um problema de linguagem e linguagem é o ponto cego de todos os filósofos que tenho mencionado. Os filósofos dos objetos orientados nunca falaram sobre linguagem isso é completamente humano para eles, é um ponto cego.  

Então esse apagamento da relação objeto-sujeito é exatamente o oposto do que descrevemos aqui como onipresença do olhar, que não é somente humano, mas você sabe que existe como um fator natural. Como contraponto, os últimos anos tem sido marcados por esses termos em relação a objetos em vários lugares do mundo em diversas mídias. Mas esse contexto pode ser o contexto da globalização da economia de alguma forma. Não falamos sobre isso ainda, mas é algo que temos que ter em mente, que as ideias estão sob esse nível agora porque isso é inseparável do processo de reificação, transformando o vivo em coisa, transformação. 

No nosso mundo capitalista, nós podemos dizer que nossa vida não é nada mais nada menos mas o momento do merchandising (atividades e técnicas mercadológicas que dizem respeito a colocação de um produto no mercado em condições competitivas, adequadas e atraentes para o consumidor) e todos os seres humanos são todos códigos no processo de reificação (qualquer processo em que uma realidade social ou subjetiva da natureza dinâmica e criativa passa a apresentar determinadas características de fixidez, automatismo, passividade de um objeto inorgânico, perdendo sua autonomia e autoconsciência, ou transformação experimentada pela atividade produtiva, pelas relações sociais e pela própria subjetividade humana, sujeitadas e identificadas cada vez mais ao caráter inanimado, quantitativo e automático dos objetos ou mercadorias circulantes no mercado). 


O MUNDO SE TORNOU UMA COMMODITY 

Installation view of the exhibition Pierre Huyghe at the Centre Georges Pompidou, September 2013–January 2014 

Quando vemos nosso trabalho, nós somos transformados em ferramentas que corresponde a uma grande máquina que nós participamos, incluindo a mim mesmo agora. O mundo se tornou uma commodity em potencial de certa forma (plantas amazônicas e Monsanto, por exemplo) assim, como gestos, alguns gestos possuem direitos autorais). 

Quando Levy Bryant diz que só existe um tipo de ser, objetos, é um ponto de vista político-econômico, porque os filósofos dos objetos-orientados apoiam a ideologia dominante e nos encorajam a representarmos o mundo como imenso mostra de substâncias interconectadas em um panorama completamente refinado levando as pessoas a se tornarem isso que vemos a nada mais.

No início do capitalismo quando Karl Marx inventou esse conceito que ele chamou de fetichismo das commodities, ele descreveu o trabalhador como alienado devido a ausência de nenhuma vivência com o produto do seu trabalho. Você não vê saída, você é codificado ao processo. 

Atualmente essa alienação é inseparável devido ao sistema de trabalho e essa alienação se estende ao nível biológico, físico-química, quando uma empresa clama pela patente de uma planta, por exemplo. Quando a vida se torna um produto e recursos naturais são objetos de pura especulação, então o capitalismo toma a dimensão de um meio ambiente que transforma em capital. 

A arte contemporânea leva em consideração todas essas informações. Isso representa agora a porta de entrada, entre humano e não-humano. Espaço para a oposição entre sujeito e objeto dissolve. Objetos podem falar, coisas vivas podem se petrificar, você pode ter ilusões de vida, ilusões do inerte. Isso é o que tento chamar de coatividade, tentando descrever seres humanos paralelamente com outras forças, com muitos tipos de atividade que estão todas convergindo com o trabalho artístico. Desde os anos 90 tenho tentado escrever sobre isso. Eu gosto da ideia de esfera social convival ou antagonista como domínio da referência.  

O que era interessante é que em meados dos anos 90 quando a internet começou a ser a grande questão para nossa economia e nossa vida diária, o início desse movimento eram baseadas nas interações que estávamos a frente, a interação entre humanos era mais importante. Atualmente, 25 anos depois após a internet se tornar uma ferramenta nas nossas vidas, como eu disse, máquinas estão tomando o poder sobre nós na internet, não por eles mesmos. Obviamente existem humanos por trás disso, mas é um novo cenário, onde relações humanas não são o elemento principal mais. 


DIÁLOGO COM OUTROS REINOS E HUMANIDADE 

Installation view of the exhibition Pierre Huyghe at the Centre Georges Pompidou, September 2013–January 2014 

A atual fortuna crítica dessas filosofias dos objetos orientados no campo artístico são os indícios, as outras acelerações, o tipo de processo de evacuação da humanidade. Soube dessas críticas quando eu trouxe o livro Estética Relacional. A arte relacional foi criticada por ser antropocênica e até mesmo humanista de certa forma. É verdade que isso considera humanos como meio político, estético, e contribui para o aumentando desse alcance de maneira invasiva - talvez nas redes de objetos de natureza maquinária - de maneira que agora está sob suspeita.  

Me parece que hoje, em 2015 o maior problema político do século XXI na arte seja precisamente o retorno da humanidade para todas as áreas que foram na verdade desocupadas. Finanças computadorizadas. Políticas fixadas por objetivos monomaníacos. Mundo quantificável.  

Gostaria de dizer que o retorno da humanidade não é pra ser o centro desse universo coativo, centro dessas múltiplas coexistências, nesse ecossistema dividido que nós estamos geralmente vivendo, mas voltar para o coração dessas atividades que são não-humanas orginalmente e essa é a estaca política. Trata-se de estender o reino humano em um tipo de diálogo comprometido com outros reinos. Isso parece para mim um importante trabalho político e um trabalho estético e já é muito presente no mundo da arte. 

- Tradução da palestra ministrada por Nicolas Bourriaud no Museu de Arte Moderna de Fort Worth em 2015